Pesquisadores
do Rio Grande do Sul usam os saberes populares da panificação para abordar
temas como densidade das substâncias e fermentação com alunos do ensino médio.
A
produção artesanal de pão em cidades do interior gaúcho inspirou pesquisadores
na elaboração de material para ajudar no ensino de química.
Meio
quilo de farinha de trigo, 15 gramas de sal, 20 gramas de açúcar, uma colher de
sopa de margarina, 15 gramas de fermento e um pouco de água. Receita de um
pãozinho francês? Que nada! Esses são os ingredientes para uma aula de química.
Um grupo
de pesquisadores do Rio Grande do Sul acompanhou a produção artesanal do pão a
fim de utilizar esse conhecimento popular para ensinar química a alunos do
ensino médio.
Inicialmente,
quatro produtoras rurais com mais de 60 anos, descendentes de italianos e
moradoras de diferentes cidades gaúchas – Itatiba do Sul, Barra do Rio Azul,
Quatro Irmãos e Erechim – foram entrevistadas e acompanhadas durante cada etapa
da panificação, desde o preparo do fermento até o momento em que a massa vai ao
forno.
Algumas
tradições das cozinheiras na produção do pão dialogavam diretamente com
conhecimentos científicos já estabelecidos
“Depois
dessa primeira etapa, retornamos com um recorte da transcrição das falas da
entrevista, para sanar dúvidas que ficaram pendentes”, explica Luciana
Dornelles Venquiaruto, química da Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões (URI) e coautora do artigo que descreve a iniciativa,
publicado na revista Química Nova na Escola.
Durante
as entrevistas, ficou claro para os pesquisadores que algumas tradições das
cozinheiras na produção do pão dialogavam diretamente com conhecimentos
científicos já estabelecidos. Por exemplo: ao substituir o fermento caseiro
pelo industrializado, as produtoras aumentam a velocidade de fermentação do
pão. Já a sova da massa em duas etapas distintas permite trabalhar melhor o
glúten formado durante a mistura dos ingredientes e obter um produto mais macio
e leve.
“Observamos
no decorrer da parte empírica da pesquisa que os saberes cotidianos são, muitas
vezes, similares aos saberes que a Academia produz, mas precisam passar por uma
transposição didática para se tornarem saberes escolares”, afirma a química,
acrescentando que é possível inserir em sala de aula conhecimentos que vão além
dos tradicionais.
Do forno ao laboratório
Com os
dados em mãos, os pesquisadores passaram para o laboratório, onde desenvolveram
cinco experimentos que relacionavam o uso das técnicas utilizadas pelas
produtoras de pão com princípios químicos.
“As
atividades propostas destacam particularmente os efeitos da temperatura e da
concentração dos ingredientes sobre a velocidade da fermentação e a densidade
da massa”, enfatiza Venquiaruto. As experiências permitem que o aluno visualize
como os processos químicos ocorrem e, consequentemente, compreenda melhor os
conceitos por trás deles.
Em uma
das atividades, duas garrafas PET de 600 ml devem ser cortadas e preenchidas
cada uma com três colheres de fermento químico e duas de açúcar. Depois, o
aluno deve acrescentar água em duas temperaturas diferentes – cerca de 12 ºC em
uma garrafa e 33 ºC na outra – e fechá-las com uma bexiga.
O hábito de colocar a massa para
descansar perto de uma fonte de calor é explicado pela química: a temperatura
alta acelera a velocidade da fermentação. (foto: Venquiaruto et al)
Esse
experimento simula os dias de inverno no Rio Grande do Sul, onde a temperatura
beira os 12 ºC, e o calor que emana do fogão, onde as cozinheiras têm por
hábito deixar a massa descansando em dias de frio. Ocorre que, durante o
processo de fermentação, acelerado em temperaturas mais quentes, há a liberação
de gás carbônico. Dessa forma, na garrafa que recebeu água a 33 ºC, o gás será
liberado mais rapidamente e a bexiga encherá primeiro.
Outra
atividade proposta é algo que as produtoras de pão fazem para saber se a massa
já está pronta para ir ao forno. O aluno deve colocar uma bolinha de massa em
um recipiente com água. A bolinha afundará, já que sua densidade é maior do que
a da água. Porém, quando o fermento faz efeito, a bolinha sobe para a
superfície. A explicação é simples: quando a fermentação ocorre, a bolinha se
enche de gás carbônico e aumenta de volume, o que diminui sua densidade. Então,
ela flutua.
Para as
produtoras artesanais, esses e outros ‘truques’ de cozinha ajudam no preparo de
um produto de qualidade. Para professores e alunos, eles são sinal de pura
química e podem ajudar a tornar mais dinâmico o ensino dessa disciplina.
Por: Ana Carolina Correia
Publicado em 15/02/2012 | Atualizado em 15/02/2012
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